A Europa está a marimbar-se para nós

Impressões Digitais by Paulo Jorge Oliveira
A Europa está a marimbar-se para nós

A frase pegou: “Estou marimbando-me para os bancos alemães que nos emprestaram dinheiro nas condições em que nos emprestaram. Estou marimbando-me que nos chamem irresponsáveis. Nós temos uma bomba atómica que podemos usar na cara dos alemães e dos franceses. Ou os senhores se põem finos ou nós não pagamos a dívida e se o fizermos as pernas dos banqueiros alemães até tremem”. A frase foi proferida, no âmbito de um almoço partidário junto de militantes de base e simpatizantes, por um vice-presidente do grupo parlamentar do Partido Socialista. É sabido que nesses convívios o fervor partidário aquece e faz subir a temperatura em tom usado. E há muitas frases assim. 
Nobel da Economia também não acredita que vamos pagar dívida  
Para mim, o‘não pagamos’ foi um slogan adolescente que ficou na cultura portuguesa desde a guerra das propinas. O certo é que a ideia se generalizou. Em Portugal, nada se pagava. Eram impostos, pagamentos a fornecedores, salários, benefícios sociais, dívidas. O sistema judicial ajudou bastante e a única coisa que às vezes se pagava eram os honorários dos advogados que defendiam o devedor.
Agora, que nos estão a roubar com os altos juros, há muita gente a dizer que não paga, ou seja, que se deve restruturar a dívida. Mas isso, hoje, é ajudar o ladrão. O facto é que vivemos num mundo onde o dinheiro não existe materialmente nem sequer corresponde a um património se não existirem compradores. Neste mundo, o dinheiro é um vento que circula de conta em conta e que está agora a voar para as contas dos especuladores financeiros. Sempre foi assim e ninguém se preocupou. 
As palavras do vice-presidente da bancada do PS são ridículas e perigosas. Mas não são mais nem menos do que as palavras do primeiro-ministro em entrevista à SIC. Um e outro vivem no mundo da lua: o primeiro acredita que podemos agir unilateralmente para escapar ao naufrágio; o segundo não vê qualquer naufrágio, independentemente de os investidores já terem curado a ressaca da última cimeira (vejam-se os juros italianos) e de vários países que ameaçarem chumbar o acordo (França) ou referendá-lo (Irlanda). O problema do euro está no próprio euro: na manutenção ruinosa de um projecto utópico que devia ser desmantelado com humildade, na impossibilidade prática de ser suportado por uma verdadeira união federal.

A Europa  que  Angela Merkel e Nicolas Sarkozy tentam impor aos restantes estados membros é uma coisa de meninos brincalhões. A Europa persiste na austeridade (sem crescimento), sanções (sem solidariedade) – e, supremo abuso, a alienação das soberanias dos estados para Bruxelas e só os loucos é que dizem que se vão salvar todos. Será?

Pedro Nuno Santos está a marimbar-se para a dívida! 


Aquilo que disse Pedro Nuno Santos é aquilo que é dito há meses por partidos à esquerda do PS e por personalidades independentes de vários quadrantes. O esforço de ajustamento, que vai recair sobre a população portuguesa, devia ser devidamente valorizado pelos nossos parceiros europeus no seu contexto próprio. E na verdade, não está a ser. Os alemães, os franceses, os holandeses, os finlandeses e muitos outros troikistas estão a “marimbar-se” para aquilo que os portugueses estão a viver! Numa Europa justa – e federal – isso não acontecia.


Apesar da frase ser dita como foi, apesar de um deputado da nação tenha o dever de ponderar bem o que diz publicamente, na verdade há quem diga que nós não vamos conseguir pagar a divida coisa alguma. E quem o diz é o Nobel da economia: "Tornou-se evidente que a Grécia, a Irlanda e Portugal não serão capazes de pagar as suas dívidas na totalidade, embora Espanha talvez se aguente", escreve Paul Krugman num artigo de opinião do New York Times.
O economista arrasa a política seguida pelo Banco Central Europeu, que insiste que a estabilidade da moeda e o equilíbrio orçamental são a resposta a todos os problemas financeiros que os países da Europa atravessam.
"Por trás desta insistência estão algumas fantasias económicas, em particular a da fada da confiança - isto é, a convicção de que cortar na despesa vai de facto criar emprego, porque a austeridade vai criar confiança no sector privado. Infelizmente, a fada da confiança está a fazer-se rogada e a discussão em torno da melhor maneira de lidar com esta realidade desagradável ameaça tornar a Europa o centro de uma nova crise financeira”, escreve Krugman.

Angela Merkel e Nicolas Sarkozy


Na verdade, os líderes europeus ofereceram empréstimos de emergência aos países em crise, mas apenas em troca de compromissos com programas de austeridade selvagens, feitos sobretudo de cortes da despesa. A objecção de que estes programas põem em causa os seus próprios objectivos foi esquecida. Assim, não só impõem efeitos negativos drásticos à economia, agravaram a recessão e reduzem a receita fiscal, dizem muitos economistas que os senhores da Europa persistem em não ouvir. Há falta de coragem, há um orgulho doentio e há falta de saber. E, perante isso, vamos todos caminhando com a austeridade nos níveis máximos e a saber que esse caminho não nos leva a lado nenhum.
Era bom que os alemães e os franceses fixassem bem as palavras de Paul Krugman. "Se quiser ser realista, a Europa tem de se preparar para aceitar uma redução da dívida, o que poderá ser feito através da ajuda das economias mais fortes e de perdões parciais impostos aos credores privados, que terão de se contentar em receber menos em troca de receber alguma coisa. Só que realismo é coisa que não parece abundar". O Nobel da economia termina o texto com mais uma pergunta: "Estou convencido que isto é apenas falta de coragem para enfrentar o fracasso de uma fantasia. Parece-lhe tolo? Quem é que lhe disse que era o bom”.
Perante isso, tem razão Pedro Nuno Santos. O melhor mesmo é começarem a “piar fininho”!


Paulo Jorge Oliveira
agencianoticias.adn@gmail.com 

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