Hortas proliferam no IC19


Hortas que alimentam centenas de pessoas vão sair da margem da estrada

Nas margens do IC19, que liga Lisboa a Sintra, nasceram há alguns anos, de forma ilegal, hortas sociais que alimentam desempregados e reformados e que já se tornaram parte da paisagem rodoviária daquela que é uma das mais movimentadas estradas portuguesas. Se por um lado ajudam os mais desfavorecidos, por outro a Estradas de Portugal e a Câmara da Amadora querem o fim das mesmas. A Estradas de Portugal alerta para o perigo que as hortas urbanas junto ao IC 19 representam para as estruturas rodoviárias por porem em causa a segurança e estabilidade dos taludes. A autarquia da Amadora estuda um lugar para instalar os novos agricultores de beira de estrada.

Hortas sempre para alimentar centenas de pessoas da Amadora 
Vítor Manuel mexe naquela terra como se já a conhecesse de ginjeira. Tem a sua horta nas margens do IC19 (estrada que liga Lisboa a Sintra) há cerca de dois anos, mas aprendeu a cavar em criança, com apenas oito anos.
Ali planta de tudo um pouco, desde batatas, favas, alhos, cebolas, couve portuguesa, alfaces a feijão-verde.
Conheceu este espaço através de amigos que já ali tinham a sua horta, após ter sido despedido da empresa onde era colocador de vidros.
Este desempregado, residente na Reboleira, vê na horta a oportunidade de poupar algum dinheiro. “No ano passado não comprei cebolas, batatas também não. [Hoje em dia] alfaces não compro, favas tenho aí e ervilhas também”, admitiu à Lusa.
Estas hortas são, por vezes, alvo de vandalismo. “Há muitos estragos nas hortas”, referiu Vítor Manuel, indicando que preferia “dar uma couve para matar a fome” do que ser vítima destas situações.
Uns metros mais ao lado, está o espaço de cultivo de Arnaldo Gaspar. Reformado, este alentejano natural de Aljustrel, distrito de Beja, que se encontra há alguns anos na Amadora, nota que tem menos despesas desde que tem a horta.
“A minha mulher, que é quem faz as compras lá para casa, diz que faz muito jeito”, salientou.

“Não há trabalho, então fazemos isto para nos divertirmos”
O reformado garante ainda que o seu cantinho de terra funciona como um passatempo, já que se não estiver ali, está “no café a gastar dinheiro”.
Num caminho de terra improvisado, encontra-se a horta de Humberto Andrade, um cabo-verdiano que vive há sete anos na Amadora.
“Estamos aqui para nos tentarmos distrair e não nos preocuparmos com as coisas que se estão a passar”, disse para explicar porque mantém aquele espaço.
Como “não há trabalho, então fazemos isto para nos divertirmos”, adiantou.
Humberto Andrade ficou desempregado depois de a empresa onde estava deixar de pagar os salários aos trabalhadores. Hoje em dia, faz da horta a sua rotina. “Venho para cá três vezes por semana”, contou.
“Os produtos daqui são bons”, disse, garantindo que a poluição envolvente causada pela passagem de milhares de veículos todos os dias não afeta o que ali semeia.
Contudo, queixa-se de falta de apoio da Câmara da Amadora a estas hortas. “Se nos dessem um espaço maior, era bom. Nós aproveitávamos todos os mecanismos, todas as facilidades”, assegurou Humberto Andrade.
Numa outra horta plantada nas margens do IC19, perto de um parque industrial, o hortelão João Mendes explicou que “a única rega [da sua plantação] é a água da chuva”, visto que naquela zona não existe outra possibilidade.
Ao seu lado, fica a plantação da horticultora Siza Pereira que, apesar dos seus 75 anos, continua a ir à horta regularmente. Com um filho desempregado e um rendimento de 200 euros mensais, as hortas são a sua forma de sustento da casa.
Para Siza Pereira, uma ajuda camarária era essencial aos hortelãos da zona, sendo que, no seu caso, pede ajuda sobretudo na questão da rega dos terrenos, visto que já não consegue “carregar água para regar” e que “o terreno está todo seco”.
Tânia Esteves e Maria José Rato, do Rio de Mouro, costumam comprar por estas hortas do IC19 batatas, alhos e cebolas. As favas agora também saem bem. Diz Tânia, “o preço compensa sem dúvida mas a qualidade também”.

Estradas de Portugal querem acabar com as hortas
Câmara da Amadora e Estradas de Portugal querem fim das hortas 
Mas se é verdade que as hortas ajudam pessoas a comer, também é verdade que são tidas como perigosas para a Estradas de Portugal (EP). A empresa alerta para o perigo que as hortas urbanas junto ao IC 19 representam para as estruturas rodoviárias por porem em causa a segurança e estabilidade dos taludes.
"A atual ocupação dos terrenos é ilegal e constitui um perigo para a segurança dos condutores que circulam no IC 19 referiu fonte oficial da EP, acrescentando que "a existência destas hortas junto às estradas põe em causa a estabilidade dos taludes das próprias estruturas rodoviárias".
A mesma fonte indicou que "a Estradas de Portugal tem mantido contactos regulares com a Câmara Municipal da Amadora e com a Polícia Municipal da Amadora com o objetivo de encontrar a melhor solução para esta situação".
Além da questão legal, a EP disse ter em consideração "o lado social inerente a esta situação, dada a importância que as hortas têm para as pessoas que as utilizam", normalmente desempregadas e sem outros rendimentos.
A mesma fonte assegurou que "a EP irá repor a legalidade desta situação, removendo as hortas, em colaboração com as entidades camarárias", mas não adiantou prazos para o fazer.

Câmara da Amorada não apoia estas hortas
Em declarações à agência Lusa, o vereador da Câmara da Amadora com o pelouro da gestão urbanística e das obras municipais, Gabriel Oliveira, disse que esta é "uma situação que dura há muito tempo" e defendeu que a EP "podia atuar mais rapidamente".
Para Gabriel Oliveira, o principal problema destas zonas de cultivo consiste no perigo que representa para os condutores. "Pode cair uma pedra, pode cair uma pessoa", alertou o vereador, reforçando a esperança de que "não haja, um dia, um acidente grave".
Gabriel Oliveira salientou também a questão ambiental: "Aquilo que colhem ali está contaminado", uma vez que passam no local milhares de viaturas que emitem gases tóxicos.
A autarquia tem apostado em solucionar o problema, através de um projeto, que ainda está em fase de estudos, para criar hortas comunitárias.
De acordo com Gabriel Oliveira, o município está ainda a estudar a melhor localização, mas à partida deverão situar-se na "quinta de Almarjão, junto ao [bairro do] Zambujal".
Segundo o vereador, estão por resolver questões administrativas e de cedência dos terrenos, o que justifica a demora da concretização do projeto.

Agência de Notícias 

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