Críticas Soltas por Joana Teófilo Oliveira


O bom exemplo das manifestações

Em tempos conturbados, onde em casa esquina se faz uma manifestação e em cada rua se provoca as autoridades, apetece-me recordar uma história de 15 de Setembro. Faltam tomates aos portugueses. Não a todos, claro. Há casos de pessoas com uma coragem acima da média do país. Veja-se o caso de Adriana Xavier, a jovem estudante de 18 anos que abraçou Sérgio, o polícia de choque com coração mole na maior manifestação cívica que Portugal já viu.


  Foi preciso coragem da parte dos dois. Ela, porque abraçou uma figura potencialmente violenta. O segundo, porque se deixou abraçar, naquele momento, naquela situação. A fotografia dos dois correu o mundo. Mostrou que, afinal, Portugal ainda tem alguma coisa para ensinar. Depois do 25 de Abril, onde se mudou de regime com flores, mais uma vez, nós, os portugueses fomos diferentes. Há amor no protesto português. A violência pode ser trocada a qualquer momento por um abraço sincero.
Adriana, a Pocahontas portuguesa de cabelos compridos e encaracolados, pousa a mão no coração de Sérgio. A figura primeira de autoridade à porta da troika, mesmo com colete à prova de bala, deixa-se contagiar pelo toque. Mesmo com aquele equipamento, Sérgio sentiu. Mérito de Adriana, que teve coragem de o tocar. Porque estava certo fazê-lo. Porque sentiu que ele merecia ser tocado. Mérito dele, porque deixou.
O resto está na imagem. Ele não a empurra, não grita com ela, não foge. Rodeados por fotógrafos e manifestantes, jornalistas e outros polícias, aquele momento foi só deles. Durante os poucos segundos que falaram, acredito que, para eles, o resto não estava lá. Estavam sozinhos num instante que não doía. Não havia barulho, nem confusão. Nesse momento a preocupação dos dois desconhecidos era de proteger o outro. Adriana sentiu a tristeza no olhar de Sérgio e, quase obrigada por uma inocência cada vez mais rara, abraçou-o. Sérgio não quis que ela se magoasse. Nem por ele, nem pelos outros. O toque suave no braço de Adriana enquanto olha em seu redor conota este sentimento de protecção. 
Enquanto Adriana parece rendida à fragilidade dentro do equipamento de Sérgio dizendo quase ''Eu sei que és como eu'', Sérgio honra a farda, honra a própria honra. Agradece o gesto de Adriana fazendo o que melhor sabendo: protegendo.
Esta fotografia correu o mundo. É uma imagem muito bonita, do tamanho do abraço deles. Que seja exemplo. Que emocione. Que tenha o mesmo resultado que teve comigo - ainda vale a pena. São momentos destes, imortalizados por uma câmara que nos fazem crer que ainda vale a pena. O que quer que seja, desde que seja bom. O exemplo de Adriana e Sérgio é bom porque é sincero. É amor, é paz e é uma mensagem forte, no sentido mais belo da palavra. É amor por um desconhecido, retribuído à desconhecida.
A realidade é dura. Para ela, um futuro incerto e cada vez mais assustador, para ele uma manifestação onde tomates e petardos, garrafas e pedras voaram na sua direcção. Por momentos, nada disso interessou. E só foi preciso um abraço. Depois disso, noutras manifestações, só sobra a violência e a nudez para chamar atenções. Era bom que nas próximas manifestações, greves e afins... se olhe para esta mensagem.  
À Adriana e ao Sérgio, obrigado.


Joana Teófilo Oliveira
Estudante de Ciências da Educação
Quinta do Anjo 

O homem que não aceita crítica não é verdadeiramente grande. É tão incomum isso na nossa imprensa que as pessoas acham que é ofensa. Crítica não é raiva. É crítica. Às vezes é estúpida. Outras irónicas. Tantas vezes desiludida e incompreendida. O leitor que julgue. Acho que quem ofende os outros é o jornalismo em cima do muro, que não quer contestar coisa alguma. O tom das Críticas Soltas às vezes é sarcástico. Pode ser desagradável. Mas é, insisto, uma forma de respeito, ou, até, se quiserem, a irritação perante a vida, a política, a sociedade… o mundo,  por Joana Teófilo Oliveira para o ADN. 

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